Publicado recentemente, o livro “História natural de sonhos” reúne
poemas infantis de Fritz Müller, traduzidos e organizados pelo escritor Dennis
Radünz.
Fascinado pela vida e obra do cientista, Radünz realizou com Lia Carmen Puff a tradução dos
poemas ainda em 2004, para a produção da primeira edição. Mas esta não foi
a primeira publicação sobre Müller, sobre o qual o escritor já escreveu em
outras ocasiões, inclusive em matérias jornalísticas e em um ensaio acadêmico sobre “Der Minhocão”, texto científico de Fritz Müller de 1877.
Agora, em sua segunda edição, o livro já está disponível para compra,
reunindo poemas escritos por ele para a alfabetização de suas nove filhas.
O lançamento ocorre em Blumenau, na Secretaria de Cultura, no dia 5
de maio, e em Florianópolis, no Museu Histórico/Palácio Cruz e Sousa, no dia
12.
Conversamos com o organizador do livro para saber mais sobre seu
trabalho, sobre o livro e sua admiração pelo naturalista. Confira a entrevista:
– Conte um pouco de sua trajetória profissional e como conheceu o
trabalho de Fritz Müller
Dennis Radünz: Fritz Müller passou a viver na Colônia Blumenau em 1852, a
mesma Blumenau em que nasci, em 1971, e onde o nome do naturalista
alemão sempre foi presente no imaginário, como nome de biblioteca e nome de
praça e onde está a sua última morada, hoje Museu de Ecologia.
Então, em 1993 e 1994, período em que trabalhei como Diretor de
Literatura da Fundação Cultural de Blumenau, tive mais proximidade com o
acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva e, nele, por uma sugestão
de sua diretora, historiadora Sueli Petry, conheci a caderneta com os doze
poemas manuscritos, escritos por volta de 1859, quando ele atuava como
professor do Liceu Provincial de Desterro (agora Florianópolis).
Sempre fui fascinado pela sua vida-obra, tanto que no centenário de
morte, em 1997, publiquei no caderno Anexo (de A Notícia) um texto-
homenagem, intitulado “Aprendiz de seres”, e em 1999, no Conselho Editorial
da Editora Cultura em Movimento da Fundação Cultural de Blumenau (eu o
presidia, éramos conselheiros Lauro Bacca, Marcelo Steil, Sueli Petry e Vilson
Nascimento), o primeiro título que aprovamos foi “Fritz Müller: reflexões
biográficas”, reunindo cinco textos de referência histórica.
Vivendo na Ilha de Santa Catarina desde 2001, voltei a esses
manuscritos “esquecidos” e em 2004, finalmente, passados 145 anos, os
poemas que ele escreveu para alfabetizar em alemão as nove filhas foram
publicados no livro que organizei e que, não tendo título, batizei “História
natural de sonhos/Naturgeschichte von Träumen”.

– Como foi o trabalho de tradução dos poemas?
DR: O primeiro problema foi estabelecer o texto definitivo dos originais, em
poemas manuscritos e compostos em uma variação linguística do idioma
alemão do século XIX com muitos brasileirismos e termos nativos – paca,
jararaca, gambá etc. Naquela fase, a ajuda dos admiradores de Fritz Müller,
como Johann Memming, Wilfried Krambeck e Klaus Hering, foi decisiva.
Iniciei o projeto já em 1999, mas ficou “hibernando”, até que conheci Lia
Carmen Puff – tradutora do conto “Uma enteada da natureza” (1932), da
escritora blumenauense de língua alemã Gertrud Gross-Hering – e trabalhamos
por três meses, um poema por semana, nos reunindo na Biblioteca da UFSC.
Lia fez uma primeira tradução literal de todos os textos e, juntos, fomos
descobrindo equivalências sonoras e jogos de rimas e, principalmente, os
ritmos na língua-alvo, o português. Ouça um exemplo no poema “Mamoeiro e
tamareira”. Mein Blüthenduft / Durchwürtzt die Luft / Und lockt zum süssen
Honigmahl / Den Kolibri mit flücht’ger Schwinge, / Die farbenprächt’gen
Schmetterlinge, / Und luft’ge Mücken ohne Zahl, na tradução mais literal – “O
meu perfume floral / No ar flutua / E convida a um banquete de mel / O beija-
flor de asas velozes / E as borboletas de cores fortes / E alegres insetos do
céu” – e na versão final, mais “musical”: “O perfume de minhas flores / espalha
no espaço odores / e convida ao banquete de mel / o beija-flor de asas
vibrantes / e as borboletas de cores voejantes / e os alegres mosquitos do céu”.
O conhecimento da língua de Lia Puff, que é doutora em literatura
alemã, captou a “alma” dos poemas e a minha experiência na escrita de
poemas ajudou a “vestir a alma” em português, língua que Fritz considerava
um ”latim de ossos quebrados”. E, afetivamente, quero rememorar dona Tula,
Gertrud Mayr (1925-2018), bisneta de Fritz Müller que foi atriz em Berlim e com
quem declamei seus poemas no lançamento da primeira edição em Blumenau,
em 2005. Ela foi a maior entusiasta dessa tradução e a ela dedicamos a
“edição do bicentenário”.
– Como foi a repercussão da primeira edição do livro e o que representou
traduzir o naturalista?
DR: Pela tradução, nosso livro recebeu em 2005 o selo “altamente
recomendável” da FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, uma
subseção da International Board on Books for Young People. E sua primeira
edição foi um dos livros “mais bem vendidos” de Santa Catarina, imagino que
pelo conjunto da obra, com as 12 ilustrações belíssimas da artista Jandira
Lorenz, criadas na técnica wicinanki (papel recortado) e valorizadas pelo
desenho gráfico de Vanessa Schultz, e a transversalidade dos poemas, que
mesclam fauna, flora, ecologia, língua alemã, poesia, história brasileira e
cultura da infância. Na época, em uma crônica de jornal, a escritora catarinense
Eglê Malheiros pareceu resumir nosso “História natural de sonhos”: “Importante
e belo. Um livro que é um objeto de arte… Uma alegria para os olhos e um
refrigério para a mente”.

Mas, para além do reconhecimento de público e crítica, organizar esses
poemas até então desvalorizados, traduzi-los e publicá-los significa tornar de
novo presente o conhecimento profundo que Müller tinha da Mata Atlântica e
das culturas da América. Um exemplo? Na tradução de “Mamoeiro e tamareira”
preferimos o substantivo mais usual beija-flor, mas ele escreveu Colibri (Kolibri,
no original alemão), o termo que nos aproxima de um pássaro sagrado para
toda a cultura dos Andes. Teria sido aleatório? Talvez. Mas a vocação de
linguista que ele relatou em cartas nos ensina a ler “Kolibri” com índice do
espaço natural e cultural independentes de território ou nação.
– O que os leitores podem esperar da edição do bicentenário? Como será
o lançamento?
DR: Em 2022, quando crianças de todas idades e países são fascinadas por
literatura e cinema de fantasia – pensemos na zoologia mágica de “Os animais
fantásticos e onde habitam”, de J. K. Rowling –, a simples enumeração de
títulos dos poemas de “História natural de sonhos” nos convida a um espaço e
tempo tão próximos, mas tão estranhos: mamoeiro e tamareira (Mamãobaum
und Dattelpalme); pica-pau (Specht); paca; tartaruga (Schildkröte); jararaca;
vaga-lume (Leuchtkäfer); gambá; formigas (Ameisen); animais marinhos
(Seetiere); cavalo-marinho (Seeperdchen); peixinho e água-viva (Fischlein und
Qualle) e gaivota (Möwe). Para as crianças do século XXI, aliás, a luta pela
vida no meio ambiente – às vezes fatal, porque Fritz Müller atravessou os
poemas de Evolucionismo – tem o valor de uma lição sobre a natureza e de
uma cultura da infância mais vivida, talvez mais realista, tendo a luta pela
sobrevivência como seu maior tema. Imaginemos Fritz Müller e as suas filhas
na grama, em círculo, lendo os doze poemas em voz alta…
Teremos lançamentos presenciais em Florianópolis e Blumenau, no
decorrer do ano, e, por enquanto, as vendas estão concentradas no site
www.editoranave.com.br. Uma obra rara, esse “livro-presente” de Fritz Müller
reúne arte, meio ambiente, fábula, e o lemos para celebrar Fritz e todos
aqueles que estudam a vida e recriam a sua beleza.
Sobre o organizador
Dennis Radünz nasceu em Blumenau/SC (1971) e vive em Florianópolis.
Publicou o livro-ensaio “Roça barroca: mundos torrentes” (2021), os livros de
poemas “Exeus” (1996, 2ª edição em 1998), “Livro de Mercúrio” (2001),
“Extraviário” (2006), “Ossama: último livro” (2016, 2ª. edição em 2018) e
“Sonívia” (2020) e uma antologia das crônicas semanais no jornal Diário
Catarinense, “Cidades marinhas: solidões moradas” (2009).
Mestre em Literatura (UFSC), ministra desde 2014 cursos de escrita
literária por todo o país e publicou dezenas de livros como editor da Editora
Nave, com destaque para “Gente alemã / Deutsche Menschen” (2020), coleção
de cartas organizada em 1936 por Walter Benjamin, com tradução de Daniel
Martineschen.