A importância de Fritz Müller para a ciência mundial é inquestionável embora sua obra e a relevância dela sejam pouco conhecidas no Brasil. Aqui destaco uma contribuição original de Fritz Müller para a divulgação científica da teoria da evolução em Santa Catarina. Além de suas aulas no Liceu Provincial, onde lecionou até 1864, nas quais ele possivelmente se referiu à nova teoria da qual tivera conhecimento, em 1861, ao ler A Origem das Espécies, ele produziu um interessante texto de divulgação da teoria da evolução por meio da seleção natural. Ele foi publicado em um importante jornal da época, O Despertador, em março de 1870, atingindo assim um público mais amplo no estado.

Esse texto estava inserido no Relatório sobre os trabalhos do Dr. Frederico Müller durante o ano de 1868, datado de 01 de janeiro de 1869, que foi redigido em função de estar contratado pelo governo da Província, a partir de 1867, como Naturalista da Província, em substituição ao cargo de professor concursado do Liceu Provincial.  Fritz Müller descreve as suas atividades como naturalista, analisa plantas já cultivadas e plantas novas na Província, o herbário de plantas indígenas que criou, menciona as excursões  realizadas e acrescenta um item sobre os trabalhos científicos desenvolvidos no período no qual aborda a teoria da seleção natural.

Os trabalhos sobre história do darwinismo no Brasil não mencionam este texto de Fritz Müller e afirmam que as ideias darwinistas no Brasil só começaram a ser propagadas posteriormente, da década de 1870 em diante. No entanto, esta é uma evidência de que Fritz Müller, certamente o cientista daqui que melhor compreendia a nova teoria, fez também o exercício pioneiro de tentar divulgá-la de forma simplificada.

Nesta época, Fritz Müller tinha já escrito seu importante livro Für Darwin, publicado na Alemanha em 1864, de caráter técnico e aprofundado. O texto contido no seu Relatório de 1868 busca explicar, de forma sintética, em que consiste a teoria da evolução por meio da seleção natural. Encontramos nele a primeira apresentação qualificada no Brasil, para o público geral, das ideias centrais da nova teoria. Elas são expostas com clareza por um cientista com grande domínio do assunto, ainda mais que o tema foi a sua principal linha de investigação por anos.

Ele justifica assim a sua atitude no texto: “Os meus estudos zoológicos e botânicos se tem referido há anos, direta ou indiretamente, a um único objeto, à teoria proposta por Darwin sobre a origem das espécies; e como também daqui por diante pretendo dedicar ao mesmo objeto o tempo que me sobrar para trabalhos científicos, parece-me conveniente dar um esboço, ainda que mui resumido e imperfeito, daquela teoria antes de falar nas observações que fiz no ano próximo passado.”

Depois de se referir à publicação da nova teoria evolucionista por Darwin, em 1859, Fritz Müller passa a descrever em que consistia essa teoria e o faz de modo conciso, mas expondo de forma precisa seus pressupostos básicos. Explica assim o mecanismo da seleção natural, traduzida por ele como “escolha natural”: “Assim terá lugar uma espécie de ´escolha natural´(natural selection) em virtude da qual serão conservados os indivíduos mais apropriados às condições de sua existência. Variações vantajosas serão desta sorte conservadas, e sobrevivendo estas variedades transmitirão as qualidades que as distinguem aos seus descendentes.”

Em seguida, Fritz Müller menciona as pesquisas que realizou para colocar a teoria à prova, aplicando-a aos crustáceos e confirma que o resultado favoreceu inteiramente o darwinismo e que foram publicadas no livro Für Darwin. Na sequência, resume os resultados que obteve na sua pesquisa, em 1868, sobre as plantas dimórficas e trimórficas, nas quais a Província era muito rica. Ele afirma que verificou por experimentos alguns dos resultados obtidos por Darwin e que considerar a fertilidade como carácter distintivo da espécie, como queriam partidários da geração independente das espécies, conduziria a um completo absurdo no caso dessas plantas.

Fritz Müller evitou tratar de limitações e dificuldades relativas à nova teoria. Também não explorou o impacto científico dela nas diversas áreas da biologia: “Devo limitar-me a estas ideias fundamentais da teoria de Darwin sem poder entrar nem nas numerosas dificuldades que parecem opor-se a ela, nem nas consequências que dela se deduzem e que derramam uma nova luz sobre a sucessão dos organismos hoje extintos, sobre a distribuição geográfica, a embriologia, o arranjo sistemático das plantas e animais, sobre a origem do gênero humano, etc.” Significativamente, Fritz Müller menciona a repercussão que a nova teoria poderia ter na questão da origem do gênero humano, o que de fato viria a ocorrer posteriormente com a publicação de A Descendência do Homem, por Darwin, em 1871, na qual se explorou a inclusão dos seres humanos no processo evolucionário.

Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira

Instituto de Física da UFRJ e Presidente da SBPC