O mais renomado cientista brasileiro do século XIX, o teuto-brasileiro Fritz Müller (1821-1897), nasceu em uma pequena cidade na Turíngia e formou-se em Matemática e Ciências Naturais pela Universidade Berlim (1845) e posteriormente em Medicina na Universidade de Greifswald (1849). Em razão dos acontecimentos que culminaram com a Revolução de 1848, ele, como tantos outros da sua geração, resolveu emigrar em 1852 e instalar-se na recém-fundada colônia Blumenau. Após apenas quatro anos aceita o convite do Presidente da Província de Santa Catarina e se transfere para Desterro (atual Florianópolis) para trabalhar no Liceo Provincial por 11 anos. As pesquisas que ele desenvolveu nesse período na Praia de Fora sobre os crustáceos projetaram-no em âmbito mundial.
Se DARWIN foi seu correspondente mais famoso, ele também manteve por décadas uma intensa troca de informações com colegas naturalistas da Alemanha. E foi neste país, na época composto por um grande conjunto de reinos, principados e ducados, que a Teoria da Evolução obteve rápido, amplo e forte respaldo. As Ciências Naturais impulsionadas principalmente por Martius e Humboldt viviam em franco crescimento, e além disso, enquanto a Alemanha possuía em torno de oitenta Universidades, a Inglaterra tinha somente dez no final do século XIX! Ernst Krause comenta: “Quanto mais os velhos aliados e amigos da Inglaterra se distanciavam dele, mais os olhos de Darwin tinham naturalmente de se virar para a Alemanha, onde, por estarem menos submetidos aos velhos preconceitos sociais e limitados por condições acadêmicas envelhecidas, florescia uma nova geração de pesquisadores, que diante da liberdade de pesquisa, podiam aprofundar-se em questões mais complexas sem receio”. E ainda “A maior influência na aceitação geral da teoria darwiniana entre os investigadores foi então um pequeno trabalho de Fritz Müller”.
Em um caso raro, vários membros da sua própria família em uma mesma geração se destacaram em diferentes áreas do conhecimento, o que acabou por enriquecer os resultados das pesquisas desenvolvidas.
Hermann Müller (1829-1883), seu irmão mais novo. Professor do ginásio de Lippstadt, também demonstrou interesse nas ciências naturais e foi um destacado defensor da teoria evolucionista no território alemão e o mais forte aliado do irmão.
Wilhelm Müller (1857-1940), seu meio-irmão. Zoólogo. Morou na casa do irmão em Blumenau de 1883-85. Mais tarde foi professor de zoologia e diretor do Instituto e Museu de Zoologia da Universidade de Greifswald. Especializou-se em crustáceos ostrácodes.
Alfred Möller (1860-1922), era filho de um primo. Formado em Engenharia florestal. Permaneceu em Blumenau de 1890 a 1893, período em que desenvolveu pesquisas sobre fungos e descreveu o jardim-de-fungos das formigas cortadeiras. Criador do conceito de Floresta Permanente. Autor da obra mais importante sobre o tio, “Fritz Müller, Werke, Briefe und Leben” (“Fritz Müller, obras, cartas e vida”) publicada entre 1915-21 em 5 volumes e mais de 1.500 páginas.
August Müller (1826-1904). Imigrou com o irmão Fritz em 1852. Embora tenha residido em Blumenau teve destacada atuação para o desenvolvimento do Vale do Itajaí, pois manteve contatos permanentes com a Alemanha para divulgar as mais modernas técnicas agrícola através da Associação Cultural (Kulturverein) fundada em 1863.
Entre seus principais contatos com pesquisadores alemães podemos destacar:
Andreas Schimper (1856-1901). Professor de Botânica em Bonn e Basel. Definiu em 1898 o conceito de “Tropischer Regenwald” (“Rainforest” ou floresta pluvial tropical).
August Weismann (1834-1914). Foi classificado por Ernst Mayr como o segundo teórico evolucionista mais notável do século XIX depois de Charles Darwin. Fundador do Neo-darwinismo.
Carl Wiener (1851-1913). De origem austríaca, a família se estabeleceu em Paris, mas formou-se em Rostock em Filosofia com foco no Império Inca. Em 1875 veio a convite do Museu Nacional pesquisar sambaquis em SC, cujas explorações contaram com o apoio de Fritz Müller e Carlos Schreiner. O primeiro artigo desta pesquisa foi publicado no volume inaugural dos Archivos do Museu Nacional em 1876.
Eduard von Martens (1831-1904). Zoólogo especializado em Malacologia. Formou-se pelas Universidades de Tübingen, Stuttgart e Munique. Dirigiu o Museu de Ciências Naturais de Berlim.
Ernst Krause (1839-1903). Farmacêutico, biólogo e escritor. Por incentivo de Haeckel fundou a revista Kosmos que publicou diversos artigos de Fritz Müller.
Ernst Haeckel (1834-1919). Biólogo, naturalista, filósofo, pintor, médico e professor. Foi o mais ardoroso defensor da Teoria Evolucionista de Darwin na Alemanha. Denominava Fritz Müller de “Herói da Ciência”. Se inspirou nas pesquisas de Fritz Müller para formular sua “Lei da recapitulação ontofilogenética” ou “Lei Biogenética”.
Friedrich Hermann Gustav Hildebrand. (1835-1915). Micólogo, botânico e professor na Universidade de Bonn e Freiburg. Seu foco de pesquisa foi a ecologia vegetal e a polinização.
Heinrich Schenck (1860-1927). Botânico e professor da Universidade de Bonn e posteriormente professor e Diretor do Jardim Botânico de Darmstadt. Visitou Fritz Müller em 1886 com seu colega Andreas Schimper. Seu tema de estudo eram as plantas aquáticas.
Hermann August Hagen (1817-1893). Médico formado em Königsberg e Zoólogo pela Universidade de Viena, Berlin e Paris. Especializado em Entomologia. Radicou-se nos EUA onde foi o primeiro professor de Entomologia de uma universidade norte-americana.
Hermann von Ihering (1850-1930). Estudou medicina e ciências naturais em Giessen e depois em Leipzig, Berlim e Göttingen onde se formou. Exerceu a profissão de professor e pesquisador na área da ornitologia, arqueologia, filogenia e morfologia dos moluscos. Por influência de Rudolf Virchow e Fritz Müller veio para o Brasil, residindo no RS e em SP, mas retornou para a Alemanha em 1920. Dirigiu o Museu Paulista por mais de vinte anos (1894-1916). Dizia que Fritz era “o mais notável entre os naturalistas que no Brasil se têm dedicado a exploração científica do País”.
Max Schultze (1825-1874). Estudou medicina com Fritz Müller em Greifswald. Foi professor do Instituto Anatômico da Universidade de Greifswald e depois de medicina na Universidade de Bonn. Foi Max que enviou o microscópio para seu amigo Fritz e foi, junto com Hermann, os seus mais fortes laços com o meio científico alemão.
Paul Knuth (1854-1900). Estudou Química e História Natural na Universidade de Bonn e Greifswald. Foi professor em Iserlohn e Kiel. Pesquisador e autor do famoso livro “Manual da Biologia Floral”, publicado em 1898, baseado na obra de Herman Müller: “A fertilização das flores por insetos.”
Rudolf Virchow (1821-1902). Médico e professor em Würzburg e Berlim. É considerado o pai da patologia moderna e da medicina social, além de antropólogo e político liberal. Divulgou seus estudos sobre os sambaquis do litoral catarinense na Sociedade Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História.
Além dos nomes citados, podemos adicionar ainda alguns dos pesquisadores com os quais manteve correspondência, como Hermann Dewitz, Adolf Engler, Eduard Fischer, Ernst Huth, Otto Kuntze, Paul Mayer, Paul Wilhelm Hermann Taubert, Ignaz Urban e Carl Wilhelm Hermann Weltner. Aqui em Blumenau foi visitado pelos etnólogos Karl von den Steinen e Paul Ehrenreich em 1887 e o cartógrafo Henry Lange em 1884/85.
Recebeu o título de DOUTOR HONORIS CAUSA da Universidade de Bonn em 04.08.1868 na mesma data que Charles Darwin, Louis Pasteur, o botânico Julius Sachs, o Químico Friedrich August Kekulé e o próximo Imperador Friedrich III. Em 1874 recebeu o mesmo título da Universidade de Tübingen e no ano de 1884 foi eleito para a Academia Alemã Leopoldina, a mais antiga sociedade científica de existência ininterrupta do mundo.
Foi nomeado correspondente de diversas entidades científicas como a Associação de Pesquisadores Senckenberg, foi Sócio-Honorário da Sociedade Científica de Hamburgo, da Associação Botânica de Brandenburg e da Sociedade Botânica Alemã.
Como se pode ver, Fritz Müller participou da vanguarda da pesquisa científica mundial, integrante do grupo que estabeleceu as bases atuais da Biologia, Botânica, Zoologia e Ecologia. Pelas valiosas pesquisas desenvolvidas e pela importante rede de contatos que estabeleceu ao longo dos anos, principalmente com pesquisadores de língua alemã, foi – já naquela época – reconhecido pelo seu trabalho. Agora é o momento de conhecermos e reconhecermos sua magnífica obra no Brasil também.
Pres. do Instituto Histórico de Blumenau
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